Cemitério Santo Antônio completa 25 anos de existência em novembro

3/11/2015 - Sorocaba - SP

da assessoria de imprensa da prefeitura de Sorocaba

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Em 1990, a região do bairro Ipatinga era um adensado de terra pontuado, aqui e ali, por uma ou outra residência. Foi lá que, no dia 17 de novembro, Sorocaba viu surgir o seu primeiro ‘cemitério jardim’ público: o Cemitério Santo Antônio.

Naquela época, os poucos servidores da Secretaria de Serviços Públicos (Serp) que foram trabalhar num lugar tão ‘distante da cidade’ calcularam o tempo que levaria para que o cenário da região se transformasse. “O povo dizia que em quarenta anos isto aqui estaria tomado por casas. Erramos”, conta o Agente de Serviço Cemiterial – ou coveiro, como ele prefere ser chamado -, Josias Rodrigues Barbosa, que não foi o primeiro a chegar, mas já ouviu centenas de histórias do local.

Foi preciso apenas metade do tempo estimado pelos servidores municipais para que o Ipatinga se transformasse e dividisse a própria identidade geográfica com residenciais, condomínios e comércios de toda natureza. No entorno do cemitério cresceram empreendimentos que, até agora, resumem a localidade: Wanel. “Dificilmente alguém fala Ipatinga ou outro nome”, reforça Josias.

Mas o crescimento não tomou somente os arredores. Ele chegou aos 202 mil metros quadrados de área do Santo Antônio, onde, nestes 25 anos, 23 mil pessoas foram sepultadas, numa média de oito ao dia. São, em sua maioria, pessoas de baixa renda já que o custo de um sepultamento ali é de menos de R$ 30,00. O local ainda é o último repouso de indigentes, de doentes que estiveram em tratamento na cidade e cujos parentes não quiseram levá-los à terra natal, ou ainda de presidiários na mesma situação.

Mas, engana-se quem pensa que o cemitério – lugar tétrico conceitualmente para a maioria – não possa ser uma área de reflexão, de espairecimento. “Todos os dias um senhor vem fazer caminhada pela manhã. Depois do almoço, diariamente, três senhorinhas também usam o espaço para um passeio”, conta o administrador do cemitério Eliseu Solyon.

Mais incrível ainda são aquelas pessoas que usam a principal alameda do cemitério para chegar a uma cachoeira localizada atrás da necrópole. Já foram tantas trocas e reparos no muro, que chegou a um ponto de deixar a passagem para que o prejuízo seja menor.

Natureza no seu lugar

E não é sem justificativa que muita gente percorre este trecho, a partir da portaria do Santo Antônio, para acessar um dos lugares mais bonitos que poderiam existir em pleno coração de Sorocaba. A chamada “cachoeira do Wanel” tem várias quedas, está toda encoberta por árvores e, não fosse o fato de a água não ser indicada ao banho, seria um lindo espaço para lazer para toda a comunidade.

Afluente do córrego Itanguá, o mais extenso de Sorocaba, a cachoeira tem sua nascente ali mesmo, na rua Luiz Gabriotti, e poder conhecer o lugar parar para ouvir e ver o que está ao redor já é uma alegria.

Josias Barbosa, que há dezessete anos está todo dia ali, lembra de várias histórias. De quando o local atrás do cemitério era uma mata e começou a receber dejetos de materiais de construção da vizinhança. Isso acabou formando um bolsão, que ganhou vegetação e que represou perigosamente a água que corria. Resultado, mortes por afogamento. “Hoje não existe mais. Mas a cachoeira ainda é visitada por muitas pessoas. Também, olha isso aqui”, mostra orgulhoso.

Quem também circula por ali e, na verdade, conhece cada milímetro do lugar é o ‘quarteto de quatro patas’: Sorrisinho e Rajada, irmãs, Lobo e Negão, vira-latas que adotaram o cemitério como moradia.

Lobo é o ‘supervisor do serviços’. É entrar um funeral e logo ele se instala ao lado do pessoal – geralmente sobre a terra que será utilizada – saindo do posto somente quando a última pá foi usada. Negão é o parceiro. Aquele que se mostra receptivo. Todos os dias acompanha um por um ao ponto de ônibus, na saída do trabalho, e depois volta a ocupar um dos pedacinhos mais frescos do local, até a manhã seguinte, quando tudo recomeça.

Sorrisinho e Rajada? Só fazem o que querem. E elas gostam muito de dormir. A desconfiança do pessoal é a de que elas assumiram a vigilância noturna do cemitério.

Porreta é pouco

Quando prestou concurso para ser Agente de Serviço Cemiterial, Karine de Souza Oliveira acreditava piamente que seria alguma coisa relacionada à fiscalização. Ao ser chamada para assumir a vaga, e ouvir quais seriam as atribuições, entrou em choque. Ela enterraria pessoas, seria coveira. “Chorei muito. Como eu, uma pessoa que morria de medo de velório poderia fazer isso?”, se perguntava. Mas foi pensando nos dois filhos pequenos, e no fato de já ter pedido demissão do trabalho anterior, que resolveu assumir a situação. E quando se deparou com uma outra mulher – ‘miúda’, de salto alto, unha pintada e toda linda – que também iria assinar os papéis, que chamou-se aos brios: “Se ela pode, eu também posso”, e encarou.

Quem vê a desenvoltura de Karina, que chama a atenção pelo estilo marcado por um cabelo em tranças vermelhas, não imagina quantos obstáculos ela teve de vencer para, hoje, aproximar-se de um caixão, aguardar as despedidas dos familiares e começar o enterro. “Abrir a cova é normal. A gente já domina a técnica e fica fácil com a ajuda dos colegas”, conta. “Difícil mesmo foi enterrar, há algum tempo, uma criança de cerca de cinco anos. Me coloquei no lugar daquela mãe. Sofri com ela. Só pensava nos meus filhos e passei dias pensando naquilo. Mas, já passou”, assume dizendo que o dia a dia acaba deixando a pessoa ‘meio no automático’.

Não obstante todo esse redemoinho emocional, Karine ainda venceu o preconceito. Ela e Gislane são as únicas mulheres que integram uma equipe de nove coveiros, e quando assumiu sua função, os homens sempre davam um jeito de ‘livrá-las’ do trabalho duro. As justificativas, segundo ela, era de que seriam muito frágeis para aquilo. Por birra ou por determinação, não importa, foi ela quem deu um basta n situação e, literalmente, tirando as ferramentas das mãos dos colegas provou que era tão capaz quanto qualquer um deles.

Aliás, uma história que a diverte é a de quando, na área de urnas, um homem passou mal por conta do peso das placas de concreto e apenas ela e Gislane fizeram todo o trabalho. “A gente mandou ele sair e fizemos o que tinha que ser feito”, lembra.

Histórias que rondam o cemitério

Entre tantas histórias envolvendo cemitérios, algumas são reavivadas a cada imersão do próprio Cemitério Santo Antônio. Uma das mais antigas envolveu um servidor público que, após perder a noiva num acidente no qual ele pilotava uma moto, o homem voltou ao jazigo da amada três dias depois do enterro e, por conhecer o local, acabou desenterrando-a. No dia seguinte, conta Josias, ele mesmo acabou se entregando, pois ligou no cemitério para avisar que tinha sonhado com a violação do túmulo da noiva.

Uma outra – mas que virou objeto de piada e ainda incita teorias – é sobre um cachorro que ‘desenterrou’ uma perna e a levou a uma casa vizinha. Segundo os funcionários, este é um verdadeiro ‘máster-cão’. Isso, porque para conseguir pegar o membro o animal teve que levantar uma tampa de ferro, descer por uma escada de mais de dois metros, cavar pelo menos mais um metro de terra, retirar a perna, subir as escadas e fechar a porta. “Ah, não tinha como. Mas, de qualquer jeito, a gente acredita né. Afinal, quando se fala do outro mundo…”, divertem-se os servidores.

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