da assessoria de imprensa da Prefeitura de Sorocaba
A exemplo do que faz todos os anos, por ocasião da Quaresma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) iniciou, na Quarta Feira de Cinzas, a Campanha da Fraternidade.
Este ano, ela ultrapassa os limites da comunidade católica e propõe à nação brasileira a reflexão sobre uma das mais sérias e, estranhamente, mais ignoradas formas de criminalidade em nosso país: o tráfico de seres humanos.
A legislação penal brasileira tradicionalmente tem se preocupado com a questão do tráfico internacional de mulheres, aqui recrutadas sob os mais diversos tipos de promessas e que, em seguida, tornam-se escravas das redes de prostituição em outros países. Essa questão vem se agravando, em anos recentes, na medida em que a mobilidade internacional se acelera.
A seu lado surgiram, em anos mais recentes, outras terríveis formas de tráfico de seres humanos. Quem fala delas é o papa Francisco em carta dirigida aos brasileiros ao ensejo do lançamento da Campanha:
"Não é possível ficar impassível, sabendo que existem seres humanos tratados como mercadoria! Pense-se em adoções de criança para remoção de órgãos, em mulheres enganadas e obrigadas a prostituir-se, em trabalhadores explorados, sem direitos nem voz, etc. Isso é tráfico humano!", destacou Francisco.
Como admite o próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o número de inquéritos policiais abertos sobre o tráfico de pessoas é muito pequeno em relação ao volume da realização desse crime, porque há uma resistência das pessoas a fazer denúncias.
Na verdade, o tráfico de seres humanos no Brasil é facilitado por um problema que cabe ao Congresso Nacional resolver: a existência de graves brechas na legislação brasileira quanto a essa questão.
Nosso país, contrariando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, não inclui, no Código Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Estrangeiros, normas relativas à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, que além da prostituição, se estenda à exploração do trabalho, prática de serviços forçados, escravidão, servidão ou, especialmente no caso das crianças, remoção de ilegal de tecidos, órgãos ou partes do corpo.
A Campanha da Fraternidade, desde sua criação, há 50 anos, não se limita a refletir teoricamente sobre os problemas que, em nosso tempo, afrontam a visão cristã do mundo.
Ela deve resultar, tanto em nível local quanto nacional, em medidas concretas que contribuam para a mudança de tais realidades. E, quanto a esse ponto específico, no caso brasileiro, é possível darmos um grande passo à frente na direção proposta pelo para Francisco.
Em 2003, como deputado à Câmara Federal, apresentei um projeto de lei pioneiro (PL 2375/2003) que ajustava nossa legislação, naquelas três questões – prostituição, trabalho escravo e remoção de órgãos – às metas agora propostas pela Campanha da Fraternidade.
Em abril de 2010, depois de tramitar e ser discutidas nas várias comissões a que a matéria se referia, recebeu, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, parecer do relator, Deputado Vieira da Cunha, pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do projeto e do substitutivo a ele apresentado, na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, pelo então deputado Raul Jungmann (PPS/PE).
O passo final, entretanto, não chegou a ser dado. Em 31 de janeiro de 2011, quando nem eu nem Jungmann não mais fazíamos parte da Câmara, a Mesa Diretora arquivou-o juntamente com dezenas de outros projetos da legislatura anterior cujos autores não se reelegeram.
Neste momento os bispos do Brasil, respaldados pelo bispo de Roma, alertam os brasileiros para a atualidade da questão ali versada. "Como se pode anunciar a alegria da Páscoa sem se solidarizar com aquelas cuja liberdade aqui na terra é negada?" – indaga o papa Francisco.
Uma forma concreta de expressar tal solidariedade com aqueles a quem, em nosso país, a liberdade é negada, seria desarquivar o PL 2375/2003 e o substitutivo a ele apensado, levá-los e plenário e, ajustando a legislação brasileira às diretrizes da ONU, dar ao governo os instrumentos legais de que ele hoje não dispõe para combater adequadamente o tráfico de seres humanos.
*Artigo publiclado pelo jornal Diário de Sorocaba em 9 de março de 2014