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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Me apavora

15/12/2019 - Sorocaba - SP

Me apavora a ideia de uma cor decidida para cada estação. O café da manhã servido, religiosamente, às seis e meia rumo à mesma sequência de estações. Me soa incômoda a voz que ressoa sobre os hábitos já sepultados, confabulando com os inícios o mesmo trajeto de antigos começos.

Sou avessa às horas contadas em marcadores gregórios de tempo, fantasiando de felicidade a segurança iludida sobre o amanhã. É intempestiva a paisagem monótona dos lugares que já não suportam minha existência - donos de um pertencimento que já não me corresponde. A preguiça do movimento me gera formigações nos joelhos, tão sedentos pela correria a outros mundos. Outras dimensões e critérios a serem negligenciados.

Minha travessura de propósito talvez resida na inadimplência do chá tomado às cinco, que regula os acompanhamentos de gestos e salões a sediar os seus tédios. São tediosas as existências que fomentam o mesmo como uma alegoria travestida de serenidade. O lugar das novidades seduz meu amanhecer como uma criança que descobre a escrita às vésperas de ser alfabetizada na escola. Tão bonito é o aconchego dos temperamentos curiosos, sempre prontos a desabrochar inquietudes que nos fazem refletir e sair do lugar onde estamos.

Meu diploma mais importante está estampado em uma folha em branco. Sou filha do vento que não teme novas direções e que segue existindo graças à disposição de descobrir outros formatos e possibilidades de ser e estar no mundo. De ilusões envelhecidas, formam-se os percalços dos caminhos, que se corrompem pela ideia secular de roteiros estabelecidos.

Me apavoro cada vez mais quando esbarro com uma juventude caquética pelas virtudes institucionalizadas. De discursos inflamados de pura arrogância revestida de coragem. Os lençóis brancos a provar uma disciplina comprada existem para servir aos protestos de conveniência. Não tenho paciência para pessoas convenientes. O escracho da hipocrisia chegou aos prédios universitários e aos guetos de origem nobre. É militar a rebeldia sem o combustível da contracultura, parente daquela que já nos desperta saudosismos à tropicália.

Devo sofrer de espasmos de ação por ficar verdadeiramente preocupada com o estancamento das andanças. A garrafa de leite à espreita na porta da geladeira, cumprindo o ritual de um dia nascido para ser como ontem. E seguir sendo o de amanhã. Sofro, quem sabe, do vício de galantear as exceções, nutrindo o hábito promíscuo de mudar regularmente as lentes que revestem meus olhos. 

Busco, de modo compulsivo, a sede catalisadora das revoluções. Como uma andarilha que sai apenas com a roupa do corpo, invado os detalhes dos meus dias à procura de ressignificações insurgentes para cada nova oportunidade. É que todo o acontecimento me acolchoa de potência, gerando um efeito ininterrupto de renovação. 

Nessa levada, minhas consequências não respondem apenas às minhas causas, mas impulsionam novos estímulos para causarem novas consequências. Alimento a tragédia de insistir na felicidade a todo o momento, pois acredito que o conformismo é a miséria das almas que apenas perambulam pelas circunstâncias. Desconfio que meus nervos sejam feitos de aço por resistirem a todos os solavancos dos meus pensamentos. É que, no fundo, somos a vitrine do que alimentamos em nossa mente. A consequência? Gerar novas causas para tudo aquilo que atraímos e que, logo em seguida, irão se reverberar em resultados pioneiros de iniciativas tomadas pela primeira vez.

 

THIANE ÁVILA.

 

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